Deixa-me que te diga, as almas penadas que trazes para casa contaminam o ar que partilhamos. Eu sei que a tua profissão passa por lidar com mortos, corpos deitados em marquesas, sem defesa possível perante a curiosidade do bisturi e da profundidade analítica da medicina legal. Não bastava termos um assassino na cidade a expandir o terror sobre quem sai à rua e chegas tu, leve e fresca ao fim do dia, no à vontade de um qualquer assunto corriqueiro, a falares-me de uma, duas, três mulheres feitas cadáver, dissecadas no teu laboratório. Do que morreram, como as mataram, a cor da pele ou o tom desmaiado dos lábios. Não quero saber, não quero mesmo. Sou um tipo sem pretensões a ser elevado a herói nacional, não pretendo entrar na cabeça desse maníaco que por um qualquer descontrole emocional mata dezenas de raparigas, agarrá-lo e entregar o espécime às autoridades. Por acaso vês-me como representante das forças de segurança? Protector de vítimas indefesas? Eu só te escuto, no limite, dou opinião sobre os relatórios técnicos prévios que me apresentas. Estou farto de tantas descrições mórbidas, de que todas elas podiam estar a viver a sua vida, o seu emprego, a sua família.
Desiste de me arrastar para a agonia da apresentação formal aos que já não habitam o mundo dos vivos. Pára de derramar o sangue dos espectros no chão da nossa casa.
Desiste de me arrastar para a agonia da apresentação formal aos que já não habitam o mundo dos vivos. Pára de derramar o sangue dos espectros no chão da nossa casa.
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