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da mexicana

Deixa-me que te diga, as almas penadas que trazes para casa contaminam o ar que partilhamos. Eu sei que a tua profissão passa por lidar com mortos, corpos deitados em marquesas, sem defesa possível perante a curiosidade do bisturi e da profundidade analítica da medicina legal. Não bastava termos um assassino na cidade a expandir o terror sobre quem sai à rua e chegas tu, leve e fresca ao fim do dia, no à vontade de um qualquer assunto corriqueiro, a falares-me de uma, duas, três mulheres feitas cadáver, dissecadas no teu laboratório. Do que morreram, como as mataram, a cor da pele ou o tom desmaiado dos lábios. Não quero saber, não quero mesmo. Sou um tipo sem pretensões a ser elevado a herói nacional, não pretendo entrar na cabeça desse maníaco que por um qualquer descontrole emocional mata dezenas de raparigas, agarrá-lo e entregar o espécime às autoridades. Por acaso vês-me como representante das forças de segurança? Protector de vítimas indefesas? Eu só te escuto, no limite, dou opinião sobre os relatórios técnicos prévios que me apresentas. Estou farto de tantas descrições mórbidas, de que todas elas podiam estar a viver a sua vida, o seu emprego, a sua família.

Desiste de me arrastar para a agonia da apresentação formal aos que já não habitam o mundo dos vivos. Pára de derramar o sangue dos espectros no chão da nossa casa.

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Dramaturgia Tribal II - Laboratório de Exploração da Imaginação Simbólica - A Metamorfose com Jorge Palinhos 22, 23, 29 e 30 MAIO 14:30-19:30 (20 horas) Galeria de Paris Rua das Galerias de Paris, 56 - Porto Preço: 75€. Amigo Terra na Boca: 67,50€ Mínimo: 8 pessoas. Máximo: 16 A metamorfose é o princípio dinâmico da criação, que rege o nascimento e a morte, a máscara e a transformação. É, por isso, o conceito-central de grande parte dos mitos e também de grande parte das histórias que conhecemos e contamos. Após a boa recepção do primeiro workshop de Dramaturgia Tribal, propõe-se agora este laboratório que, partindo da exploração das imagens, símbolos, ritos e mitos que conhecemos, permitirá aos participantes desenvolver e aprofundar histórias em torno da ideia de transformação e auto-conhecimento.Os textos resultantes deste laboratório deverão ser transformados num espectáculo a apresentar até ao final do ano. Público-alvo: Estudantes e profissionais de teatro e todos os

de pequenino

Ao contrário de outros, as minhas aulas de Educação Visual eram um pesadelo: o lápis impelia-me a encher a folha de cavalinho A4 de traços indefinidos, que só a muito custo, quiçá com a colaboração de um técnico de psicologia, se poderia aferir o significado. Na pintura não me saí melhor, a palete de cores primárias, sempre à espera do processo dinâmico de construção de ambientes mais e mais complexos, cedo se decepcionava com o Eu “artista” - angustiava-me não conseguir expressar-me na tela vazia, de encher o mundo, que para mim era só aquela sala repleta de aspirantes à arte futura. Confesso que escrever é para mim mais fácil, eu sei que as crianças começam por rabiscar no branco do papel, atabalhoadamente, sem desistir, a sua casa, a mãe, o pai, o irmão “mais” grande, o cão, o gato ou a galinha. A verdade é que desaprendi tudo isso. Logo que entrei para a escola, dediquei-me a desenhar letras como me tivessem a pedir para fazer um retrato. Ao longo dos anos, com o tique de apanh