Vou pedir-lhe uma última vez, pare de me azucrinar a cabeça com esse maldito acordeão. Estamos no Metro, o som ressoa por tudo o que é sítio. Os passageiros não lhe ligam pevas e você insiste, como tivesse saído laureado do Conservatório de Música. A caixa de esmolas que a criancinha traz na mão continua vazia, o senhor nem por um momento hesita e pressiona com mais força as teclas do instrumento. Não tenho dúvidas, esta história vai acabar mal, para si e para quem o acompanha. Se quer que lhe diga, e já que não tem nada de melhor para fazer, podia dedicar-se a apreciar a grandiosidade da linha Vermelha, das monumentais Gares. Sabe, quando eu era miúdo os percursos do Metropolitano de Lisboa resumiam-se a um caminho em forma de Y. Como isto cresceu. Por mim passaram mais de vinte anos, tempo bem aproveitado para a retroescavadoras esventrarem a cidade de uma ponta a outra. Se algum dia eu imaginei poder vir passear a Marvila para ter betão e terra como paisagem?! Antigamente isto aqui era só armazéns, máquinas de extracção de areia e sucata sem dono. Bom para jogar à bola era ali a caminho de Belém, por detrás da Rua da Junqueira, num cantinho de erva verde, por debaixo dos pilares da Ponte 25 de Abril. Agora já ninguém se atreve a fazer o mesmo – levantaram lá uns prédios de luxos do arquitecto Valssassina: acabou-se o jogo, os miúdos e as tardes quentes de papo para o ar.
Os bolsos de fora ainda sem um tostão, meia dúzia de carruagens percorridas, sem quebrar. E já estamos a chegar ao terminal ferroviário. O senhor não se cala.
Arrepiante, seria se ali para Chelas tivesse havido festa da grossa: um grupinho de rufias por aqui adentro, carteiras dos senhores passageiros para cá, sem choro fingido, e dá cá as moedinhas, ó animador de subterrâneos. Felizmente para todos, é pouco provável que haja surpresas desagradáveis nas duas paragens que restam. A mim espera-me uma tarde de compras, um passeio pela beira Tejo e um sumo de fruta para refrescar. Quanto a si, não sei, mas talvez o silêncio lhe viesse a calhar.
Os bolsos de fora ainda sem um tostão, meia dúzia de carruagens percorridas, sem quebrar. E já estamos a chegar ao terminal ferroviário. O senhor não se cala.
Arrepiante, seria se ali para Chelas tivesse havido festa da grossa: um grupinho de rufias por aqui adentro, carteiras dos senhores passageiros para cá, sem choro fingido, e dá cá as moedinhas, ó animador de subterrâneos. Felizmente para todos, é pouco provável que haja surpresas desagradáveis nas duas paragens que restam. A mim espera-me uma tarde de compras, um passeio pela beira Tejo e um sumo de fruta para refrescar. Quanto a si, não sei, mas talvez o silêncio lhe viesse a calhar.
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