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da festividade

Deram-nos por baptismo o nome de João.
Eu, cresci nas ermas terras do Norte de Portugal, há muitos séculos
atrás; ele, cavalgou por terras longínquas, daquelas que nunca a
minha vista alcançou.
Fui um ser modesto, ajudei quem pude, como sabia, trabalhando nas
colheitas, amassando pão, apregoando bons conselhos a gente simples;
ele, calejado em retórica, afrontou o poder instituído. Herodes
tomou-o por inimigo, combateu-o no deserto, venerou-o no esquecimento.
Não lamento ter morrido eremita, longe de todos, deixado à minha
sorte, bebendo o eterno sono dos justos; ele, caiu às mãos de um rei
sequioso de sangue, guerreiro vingativo de uma filha caprichosa.
Partilhamos por uma noite de Junho a alegria do Porto, em festa. Dois
homens num mesmo corpo terreno, a folia de quem arrisca saltar
fogueiras, adornar a noite no cheiro do alho-porro e sabor a sardinha
assada. Em uníssono a música deambula rua a cima, rua abaixo.
Ultrapassamos ano após ano a idade infinita da celebração, relembrando
um ao outro o destino que nos uniu.

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