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da boavista

Prometi a mim mesma não te voltar a escrever. Cansei-me de esperar por isso, de estar sentada aqui no sofá, com as mãos pousadas em cima dos joelhos, a olhar a porta na ânsia de que a campainha toque por uma ocasião.

Não te vou chamar. Conseguirei conter o impulso de ir à gaveta da cómoda pegar numa folha em branco e dizer-te, vem, vem que eu cá estou.
As minhas cartas fazem de uma só viagem meio Portugal só para te darem a salvação, um mimo, para que semana após semana te sintas reconfortado com uma palavra amiga, desta que te ama. Não é em vão que vivemos o que vivemos, entre abraços e beijinhos, ao princípio tímidos, depois mais longos e convictos. Tu na minha festa de debutante foste-te aproximando de mansinho ao longo da noite, primeiro, entabulando conversa com os casais de meia-idade, para depois lançares os teus olhos verde-cinza sobre as meninas. Éramos cinco ou seis, nem todas descomprometidas. Foi com certeza a tua voz colocada de locutor da rádio que me fez encarar-te com a curiosidade própria de quem quer conhecer.
Tão depressa se passou a noite, eu e tu resistentes quase até ao fim, sentados lado a lado, na conversa sem destino traçado, ao som de coisa nenhuma. Só nós.

Sabes bem o que quero de ti. Pega na trouxa, chega-te a mim.

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