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de pequenino

Ao contrário de outros, as minhas aulas de Educação Visual eram um pesadelo: o lápis impelia-me a encher a folha de cavalinho A4 de traços indefinidos, que só a muito custo, quiçá com a colaboração de um técnico de psicologia, se poderia aferir o significado.

Na pintura não me saí melhor, a palete de cores primárias, sempre à espera do processo dinâmico de construção de ambientes mais e mais complexos, cedo se decepcionava com o Eu “artista” - angustiava-me não conseguir expressar-me na tela vazia, de encher o mundo, que para mim era só aquela sala repleta de aspirantes à arte futura.

Confesso que escrever é para mim mais fácil, eu sei que as crianças começam por rabiscar no branco do papel, atabalhoadamente, sem desistir, a sua casa, a mãe, o pai, o irmão “mais” grande, o cão, o gato ou a galinha. A verdade é que desaprendi tudo isso. Logo que entrei para a escola, dediquei-me a desenhar letras como me tivessem a pedir para fazer um retrato. Ao longo dos anos, com o tique de apanhar tudo o que os professores diziam, a caligrafia bonita do início, deu lugar às palavras cortadas ao meio, a frases compridas (às vezes) sem sentido.

Só não posso desistir.

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