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muito lá de casa

Acordei ao som de um barulho estranho, seco. A tua caixa, a tua caixa. Num impulso, saí do quarto mal desperto, num salto cheguei à sala. O gato, em plena acção, fazia deslizar pelo chão o precioso objecto. Eu, guardião improvável de memórias alheias: daquelas partilhadas em noites improváveis, perito em levantar nevoeiros em dias radiosos, barqueiro nas águas de fogo, estava derrotado. O jogo inocente de um felino (Felis silvestris catus) destruiu toda a poesia que um sonho pode conter.
E nunca mais te vi.

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A nossa casa é linda. Repara como aqui apertadinhos estamos tão bem um para o outro. Aqui tudo é teu e meu; nosso, nosso, quero eu dizer! Deixa-me ver, temos o lençol, este saco-cama velho e sujo, a roupa que trazemos no corpo e pronto. De resto nada, de mais nada. Estendidos na relva, de papo para o ar, nem as paredes de uma velha casa em ruínas nos separam do trânsito e das pessoas. Por vezes, pelos menos para mim, o dia custa a passar: levantar-me todos os dias, percorrer um par de metros, parar em frente ao centro comercial e implorar pela misericórdia de quem entra e sai das lojas; cansa-me. De segunda a domingo – sempre, sempre na iminência de nem uma migalha ter para partilhar contigo – deixa-me triste, muito mesmo. Desculpa. Sabes bem que o que nos faz andar nisto é o vício, a dependência de umas gramas de pó, para mim e para ti, em comunhão. Podíamos pensar em trabalhar como todos eles. Sim, a tempo inteiro, a fazer qualquer coisa. Vejo-me até a lavar escadas, a limpar a

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Fiz-me ao caminho, rumei a Norte. Para trás deixei tudo, aqueles que amava, que detestava, que me eram indiferentes. Ouvi aqui e ali que era doido. “Deixas assim o sítio que te viu nascer?”, “ Mas, e o amor? o nosso amor…”. Nada lhes respondi. Durante anos, olhei para o chão, agora feito de granito, escuro, mesmo em dias em que a luz toma conta dos dias. Sempre na sombra de outros, à espera de acordar de novo, fazer de conta que os caminhos incertos eram os mesmos de outrora, as plantas, os turistas… Com o corpo pesado, a mente turva de ideias vazia, vagueio em terra alheia. Mudar custa sempre, ainda que entre mim e o passado presente, haja somente a distância de um braço de rio.