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novembro que se avizinha

Nasci afogado nas lágrimas incessantes da minha mãe. O pulsar do coração não obedecia ao sopro da vida. Os pulmões respondiam a espaços. O ventre fechado não ousava abrir de novo portas. Cá fora tudo fere, deposita-se o tempo na pele enrugada, do embrião sem memória.
Passaram-se anos. Só no novelo enrolado das fotografias consigo descortinar um laivo de agitação desse inverno. Revela-se a realidade estática do meu corpo. Constante agonia de palavras vãs, risco surdo de um diário mínimo por escrever. Movimentos presos, indeléveis, sacudidos pela perene brevidade de um sopro. Mais não sou que a fuga ao passado fracassado, construção material do amor consumado. Eu, como os outros, como vós.

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A nossa casa é linda. Repara como aqui apertadinhos estamos tão bem um para o outro. Aqui tudo é teu e meu; nosso, nosso, quero eu dizer! Deixa-me ver, temos o lençol, este saco-cama velho e sujo, a roupa que trazemos no corpo e pronto. De resto nada, de mais nada. Estendidos na relva, de papo para o ar, nem as paredes de uma velha casa em ruínas nos separam do trânsito e das pessoas. Por vezes, pelos menos para mim, o dia custa a passar: levantar-me todos os dias, percorrer um par de metros, parar em frente ao centro comercial e implorar pela misericórdia de quem entra e sai das lojas; cansa-me. De segunda a domingo – sempre, sempre na iminência de nem uma migalha ter para partilhar contigo – deixa-me triste, muito mesmo. Desculpa. Sabes bem que o que nos faz andar nisto é o vício, a dependência de umas gramas de pó, para mim e para ti, em comunhão. Podíamos pensar em trabalhar como todos eles. Sim, a tempo inteiro, a fazer qualquer coisa. Vejo-me até a lavar escadas, a limpar a

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Fiz-me ao caminho, rumei a Norte. Para trás deixei tudo, aqueles que amava, que detestava, que me eram indiferentes. Ouvi aqui e ali que era doido. “Deixas assim o sítio que te viu nascer?”, “ Mas, e o amor? o nosso amor…”. Nada lhes respondi. Durante anos, olhei para o chão, agora feito de granito, escuro, mesmo em dias em que a luz toma conta dos dias. Sempre na sombra de outros, à espera de acordar de novo, fazer de conta que os caminhos incertos eram os mesmos de outrora, as plantas, os turistas… Com o corpo pesado, a mente turva de ideias vazia, vagueio em terra alheia. Mudar custa sempre, ainda que entre mim e o passado presente, haja somente a distância de um braço de rio.