Avançar para o conteúdo principal

bichano

O meu gato segue à risca as minhas instruções e logo de manhã, depois de eu sair de casa levanta a mesa do pequeno-almoço e aspira o chão da sala;
ao almoço envio-lhe um sms com a lista de produtos para trazer do supermercado, ele solicito, cumpre à risca cada um dos items e traz põe sempre no cestinho de compras produtos que tenham por garantia a indicação de “melhor escolha”, difundida mensalmente pela revista da defesa do consumidor;
pela tarde, recebo eu uma mensagem, com a pergunta: “e para a merenda, o que vai ser?”; ao chegar a casa degusto um magnífico pão com fiambre e um leite morno, com chocolate, de fazer inveja à leitaria UCAL;
ao cair da tarde, enquanto leio o jornal e as crónicas do António Lobo Antunes refastelado no sofá, o meu gato sai de casa a caminho do jardim-escola para apanhar os meus filhos menores;
já de noite, faço eu o trabalho de casa: cozinho, lavo a louça, adormeço a criançada e ponho a máquina da roupa a lavar. Enquanto tudo isto dura, o gato estende-se principescamente sobre o edredão da minha cama, com propósitos solidários, presumo;
de madrugada mergulho no sono, enroscado no meu felino de trazer por casa.

p.s. – o meu gato não é assim, nem poderia ser. Se assim fosse não estaria a falar de um gato mas de um pau mandado.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Domingo

de pequenino

Ao contrário de outros, as minhas aulas de Educação Visual eram um pesadelo: o lápis impelia-me a encher a folha de cavalinho A4 de traços indefinidos, que só a muito custo, quiçá com a colaboração de um técnico de psicologia, se poderia aferir o significado. Na pintura não me saí melhor, a palete de cores primárias, sempre à espera do processo dinâmico de construção de ambientes mais e mais complexos, cedo se decepcionava com o Eu “artista” - angustiava-me não conseguir expressar-me na tela vazia, de encher o mundo, que para mim era só aquela sala repleta de aspirantes à arte futura. Confesso que escrever é para mim mais fácil, eu sei que as crianças começam por rabiscar no branco do papel, atabalhoadamente, sem desistir, a sua casa, a mãe, o pai, o irmão “mais” grande, o cão, o gato ou a galinha. A verdade é que desaprendi tudo isso. Logo que entrei para a escola, dediquei-me a desenhar letras como me tivessem a pedir para fazer um retrato. Ao longo dos anos, com o tique de apanh...

dos trapos

Que desconforto! A dor de cabeça miudinha, deu lugar à estranheza e ao desespero. Ontem, foi domingo, certo? Hoje, segunda-feira… Muito bem, se assim é como é que explicam que aos 85 anos eu possa ter adormecido numa casa num dia e tenha acordado numa outra na manhã seguinte? Julgar-me-ia louca, não fora a dificuldade como caminho, mesmo num chão bem posto e macio como o do meu quarto, sala, cozinha e casa-de-banho. As obras custaram-me anos de reforma. O senhor Joaquim, um homem muito honesto e trabalhador que conheço desde moço, cumpriu tudo o que lhe pedi. Em poucos meses, quase sem dar por isso, pôs-me tudo novo: trocou o papel parede por tinta rosa velho, trocou o soalho por tacos envernizados cor de pinho, os móveis, esses, continuam os mesmos, sólidos, à antiga à portuguesa. Mas, como dizia, de um dia para o outro, sinto que não estou no sítio onde pertenço, mas longe da minha casa. É tudo tão diferente, tão pouco parecido com o que é meu, que não tenho dúvidas, eu não pertenç...