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bichano

O meu gato segue à risca as minhas instruções e logo de manhã, depois de eu sair de casa levanta a mesa do pequeno-almoço e aspira o chão da sala;
ao almoço envio-lhe um sms com a lista de produtos para trazer do supermercado, ele solicito, cumpre à risca cada um dos items e traz põe sempre no cestinho de compras produtos que tenham por garantia a indicação de “melhor escolha”, difundida mensalmente pela revista da defesa do consumidor;
pela tarde, recebo eu uma mensagem, com a pergunta: “e para a merenda, o que vai ser?”; ao chegar a casa degusto um magnífico pão com fiambre e um leite morno, com chocolate, de fazer inveja à leitaria UCAL;
ao cair da tarde, enquanto leio o jornal e as crónicas do António Lobo Antunes refastelado no sofá, o meu gato sai de casa a caminho do jardim-escola para apanhar os meus filhos menores;
já de noite, faço eu o trabalho de casa: cozinho, lavo a louça, adormeço a criançada e ponho a máquina da roupa a lavar. Enquanto tudo isto dura, o gato estende-se principescamente sobre o edredão da minha cama, com propósitos solidários, presumo;
de madrugada mergulho no sono, enroscado no meu felino de trazer por casa.

p.s. – o meu gato não é assim, nem poderia ser. Se assim fosse não estaria a falar de um gato mas de um pau mandado.

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